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sábado, 16 de abril de 2011

Educação e movimentos sociais!

RESUMO DO LIVRO: MOVIMENTOS SOCIAIS E EDUCAÇÃO
Autora: Maria da Glória Gohn
 
APRESENTAÇÃO
A questão da Educação fez parte da realidade brasileira dos anos 90. Tanto nas críticas do setor escolar, quanto nos discursos e propostas governamentais ou de representantes da sociedade civil de diferentes correntes político-ideológicas.
As reformas e propostas para a educação brasileira, durante o século XX, foram, em sua maioria, implementadas como paliativos de crises econômicas, de redefinição dos modelos de acumulação vigente e de constituição de novos atores sociais como sujeitos da cena política nacional.
Por exemplo, na década de 20 a proposta de reforma configurava exigência de uma sociedade prestes a explodir nos limites do modelo patrimonialista agro-exportador.
Enfim, tem sido comum a elaboração de políticas estatais ditas modernizadoras, teorizando a educação como setor prioritário, mas privilegiando, na prática, os projetos e processos que dão visibilidade política sem mexer com os setores estruturais críticos.
I - MOVIMENTOS SOCIAIS, CIDADANIA E EDUCAÇÃO
1. Antecedentes históricos
O elemento comum que entrelaça os movimentos sociais com a educação é a cidadania. Entretanto, este termo possui diversas abordagens tanto do ponto de vista teórico-metodológico quanto do processo de mudança e transformação da sociedade.
No liberalismo, a questão da cidadania está ligada à noção de direitos. Trata-se dos direitos naturais e imprescritíveis do homem (liberdade, igualdade perante a lei e direito à propriedade), e dos direitos da nação (soberania nacional e separação dos poderes: executivo, legislativo e judiciário). De acordo com esta ideologia o homem era suficientemente esclarecido para escolher seus representantes, com conhecimento de causa, independente das pressões e era ainda, acima de tudo, um proprietário (de terras e imóveis). Além disso estabelecia que somente os proprietários (burgueses) tinham direito à plena liberdade e à plena cidadania.
De acordo com Locke, teórico liberal, há uma diferenciação de direitos entre a classe trabalhadora e a burguesia, pois a primeira, acostumada com o arado e a enxada era incapaz de ter idéias sublimes. Portanto, a educação para a cidadania era irrelevante para a classe trabalhadora, uma vez que ela não tinha qualidades para ser cidadã.
A igualdade natural, inata entre os homens, seria desfeita no plano da sociedade real, pela desigualdade entre cidadão-proprietário e o não-cidadão e não-proprietário. Enfim, as diferenças sociais eram vistas como diferenças de capacidade.
À medida que o capitalismo se consolida as lutas sociais vão deixando de ser apenas pela subsistência e surgem concepções alternativas dos direitos. A educação volta a ser pensada pelas classes dirigentes como mecanismo de controle social e os teóricos da economia política passam a recomendá-la para evitar desordens.
Adam Smith justifica, assim, a necessidade da educação em função da divisão do trabalho. Seria competência do Estado facilitar, encorajar e até mesmo impor a toda população a importância do aprendizado mínimo às necessidades de capital.
O pressuposto básico era de que o povo instruído seria ordeiro, obediente a seus superiores e não presa de crendices e superstições religiosas e místicas.
O essencial não era instruir, racionalizar o indivíduo, mas racionalizar a vida econômica, a produção, ou seja, a única educação que interessava era a formação e produção de mercadoria para o trabalho.
A cidadania do séc.XIX, ao contrário dos séculos anteriores, dirige-se a todos, incluindo as massas, entretanto a sua finalidade precípua era discipliná-las e domesticá-las, ou seja, busca-se, através da educação, que os membros do tecido social participem do convívio coletivo de forma harmoniosa.
Os direitos sociais não são conquistados, mas sim outorgados pelo Estado.
Neste processo, onde a educação tem destaque, a prática pedagógica enfatiza as estratégias de persuasão, esclarecimento e moralização de cada futuro cidadão.
Ao lado da cidadania regulamentada pelo Estado, desenvolveu-se, ainda, o neoliberalismo comunitarista, onde a abordagem do cidadão é vista como retorno à idéia de comunidade em contraposição à sociedade urbano-industrial burocratizada.
A noção de educação, nesta ideologia, é bastante conservadora: educa-se para a cooperação geral. A escola tem um papel fundamental neste processo, onde as condições concretas vivenciadas não são as fontes multiplicadoras do aprendizado, mas sim uma visão romântica, idílica, estigmatizada, da vida no campo, das relações diretas, primárias, da pequena comunidade. O livro didático é o representante máximo deste processo.
Entretanto, existe uma terceira definição do conceito de cidadania, elaborada a partir de grupos organizados da sociedade civil, através de movimentos. Trata-se da cidadania coletiva.
A educação ocupa lugar central na acepção coletiva da cidadania. Isto porque ela se constrói no processo de luta que é, em si próprio, um movimento educativo.
Nesta teoria a cidadania não se constrói por decretos ou intervenções externas, programas ou agentes pré-configurados. Ela se constrói como um processo interno, no interior da prática social em curso, como fruto do acúmulo das experiências engendradas. A cidadania coletiva é constituidora de novos sujeitos históricos: as massas urbanas espoliadas e as camadas médias expropriadas.
2. O caráter educativo dos movimentos sociais
O caráter educativo dos movimentos sociais origina-se em várias formas, planos e dimensões que se articulam. Não existe nenhum grau de prioridade entre as dimensões estabelecidas.
Resumidamente, podem-se enumerar as seguintes dimensões:
1- A dimensão da organização política;
2- A dimensão da cultura política;
3- A dimensão espacial-temporal.

1) A dimensão da organização política
A dimensão da organização política refere-se a consciência adquirida progressivamente através do conhecimento sobre quais são os direitos e os deveres dos indivíduos na sociedade.
A consciência se constrói a partir da agregação de informações dispersas sobre o funcionamento da administração pública e da legislação em vigor.
A construção da cidadania coletiva se realiza quando, identificados os interesses opostos, parte-se para a elaboração de estratégias de formulação de demandas e táticas de enfrentamento dos oponentes.
Aquilo que foi elaborado objetivando o controle social (Direito) passa a ser utilizado como ferramenta de libertação, à medida que o controle não está explícito. No plano do discurso, a lei se apresenta igual para todos.

2) A dimensão da cultura política
O exercício da prática cotidiana nos movimentos sociais leva ao acúmulo de experiência, onde tem importância a vivência no passado e no presente para construção do futuro. Experiências vivenciadas no passado como opressão, negação de direitos etc., são resgatadas no imaginário coletivo do grupo de forma a fornecer elementos para a leitura do presente. A fusão do passado e do presente transforma-se em força social coletiva organizada.
Neste plano destacam-se duas questões: a educativa e a pedagógica. A educativa é um processo cujos produtos são realimentadores de novos processos. A pedagógica são os instrumentos utilizados no processo.

3) A dimensão espacial-temporal
A consciência gerada no processo de participação num movimento social leva ao conhecimento e reconhecimento das condições da população no presente e no passado, isto gera, nas pessoas a idéia de um ambiente construído, do espaço gerado e apropriado pelas classes sociais em sua luta cotidiana.
Esta dimensão possibilita a articulação entre o chamado saber popular e o saber científico, técnico, codificado, uma vez que as categorias tempo e espaço são importantes no imaginário popular, ou seja, são representações fortes na mentalidade coletiva popular.
O espaço e o tempo têm dimensões amplas no meio rural, à medida que fazem parte do universo de referência do cotidiano vivido. No urbano estas categorias são desapropriadas do controle das pessoas. O tempo não é mais o meu, mas o do cronômetro da fábrica ou da instituição onde trabalho. Os espaços são restritos. O privado quase inexiste e o pouco que há tem que ser defendido com unhas e dentes contra as agressões e violência da cidade grande. O espaço público se constitui mais em zonas de controle e disciplinamento do que cm manifestações de apropriação coletiva.

II - AS PRINCIPAIS FORMAS DE ORGANIZAÇÃO POPULAR NO BRASIL
No Brasil encontramos três formas básicas de agregação das demandas populares relativas às suas necessidades no setor urbano. São elas:
1- as sociedades amigos de bairros ou associações de moradores;
2- as associações de favelas;
3-  as lutas e movimentos específicos pela moradia ou por equipamentos urbanos.
As três formas têm reivindicações em torno de objetos similares, mas elas diferem substancialmente quanto a suas origens, processo de desenvolvimento histórico, articulações e relações sociais, internas e externas; práticas de encaminhamento das demandas; projetos político-ideológicos; e, finalmente, quanto aos produtos configurados por suas ações no espaço urbano construído.

1. As associações de moradores: as sociedades amigos de bairros
É a forma mais antiga de organização popular, estando presentes na cena urbana brasileira desde as décadas iniciais do séc. XX. Porém se desenvolveram intensamente a partir de 1945 quando, com o regime populista, participavam do jogo de barganha existente: o voto pela melhoria urbana.
O processo de desenvolvimento histórico destas organizações foi acompanhado de uma progressiva institucionalização do movimento. As entidades locais formaram conselhos e federações regionais.
O projeto político das associações de amigo é conservador-institucionalizado. Não há preocupação em se mudar nada, no sentido qualitativo, do processo da transformação social. A luta básica é para a obtenção do bem demandado pelo acesso ao consumo de bens e equipamentos.
Ainda que venhamos a encontrar nas pautas reivindicatórias dos congressos, reivindicações relativas a questões gerais, sabe-se que estas pautas são formuladas por elementos da cúpula e não traduzem o nível de consciência do conjunto do movimento.
Enfim, nestas associações, de um modo geral, não se desenvolve uma consciência crítica de se reivindicar como um direito, ou atitude de rebeldia. Tudo é feito nos limites do bom relacionamento porque as regras do jogo clientelístico assim o preconiza. As atitudes são mais de pedir do que de exigir ou mesmo solicitar. O aprendizado das lideranças novas é lento e existe um certo grau de subordinação ou de “respeito” pelos caciques mais velhos.

2. As associações de favelas
As favelas são ocupações e construções, geralmente clandestina, em áreas públicas desocupadas ou abandonadas.
As causas do crescimento da população favelada são de ordem estrutural: baixos salários; desemprego; crise de oferta de imóveis para a população de baixa e crise nos preços dos aluguéis; maior controle do Estado em relação à legislação e controle da produção da moradia popular, estimulando os especuladores e vendedores de loteamentos clandestinos e, conseqüentemente, reduzindo a entrada de usuário no sistema de autoconstrução; enfim, falta de opções para moradia popular gerando as invasões coletivas, etc.
As Sociedades de Amigos de Bairros vivem em conflito com as favelas, uma vez que esta última desvaloriza o imóvel da primeira.
Paralelamente a organização dos favelados, o Estado passou a atuar, através de vários de seus órgãos operacionais, em políticas destinadas a reurbanizar as favelas. Estas políticas se resumiram, num primeiro momento, a programas de colocação progressiva de água e luz.
Enfim, lentamente o Estado vai transformando as favelas em bairros urbanizados.

3.Associações e movimentos comunitários
Estas organizações foram impulsionadas inicialmente pelas práticas da Igreja Católica em sua ala denominada Teologia da Libertação. Estes movimentos apresentam algumas características comuns:
1- base social ampla e relativamente homogênea (classes populares);
2- não se organizam em entidades bem demarcadas, mas em coletivos unificados por regiões geográficas, usualmente sedes de paróquias ou zoneamentos eclesiais;
3- a participação de seus membros nas lutas é simultânea, sendo que ocorrem várias ao mesmo tempo;
4- embora sempre haja um tipo que aglutina todos, internamente eles trabalham com coordenações e comissões, não havendo diretorias;
5- a composição interna dos participantes se diferencia pelos papéis: agentes pastorais, padres, freiras, lideres populares, várias assessorias;
6- existe um processo de divisão do trabalho, nas funções a serem desempenhadas, onde têm grande importância os agentes pastorais;
7- as lutas se desenvolvem simultaneamente em várias regiões, cada uma num estágio de agregação;
8- as lutas envolvem os setores mais espoliados e miseráveis da sociedade; toda a argumentação das demandas se faz em torno da noção de direitos.

A dinâmica interna destas entidades ou movimentos é marcada pela participação direta, pelo assembleísmo e pela atuação contínua. A maioria das entidades não tem sede própria, nem estatutos e muito menos regimento interno. Mas existe um código de ética interno, onde o importante é sempre falar pelo grupo, após consultá-lo.
A dependência dos movimentos comunitários ao apoio da Igreja é grande. Dependência das estruturas físicas e dependência da própria condução da luta, que fica por conta dos agentes. Os membros da hierarquia eclesiástica têm participação não-contínua no movimento mas decisiva. Suas atuações pedagógicas, fundadas no método ver-julgar-agir, têm efeitos básicos nas decisões tomadas.

III - O CARÁTER EDUCATIVO DOS MOVIMENTOS POPULARES
Analisando a temática da educação popular e dos movimentos sociais populares urbanos encontra-se alguns pontos de entrelaçamento entre ambos os fenômenos, tais como
1) O desenvolvimento autônomo da literatura sobre educação popular e movimento social urbano, embora as duas temáticas tenham um objeto comum de reflexão: as populações tidas como carentes e marginalizadas da sociedade.
2) O conjunto dos pesquisadores que se dedicaram às suas análises se entrincheiraram em campos específicos de suas áreas de conhecimento e da prática social, ou seja, a educação — no caso da educação popular — e a ciências sociais — no caso dos movimentos sociais (certamente que se considera o entrecruzamento destas áreas.
3) A fase de auge da produção sobre a educação popular corresponde ao início das primeiras publicações sobre os movimentos sociais — final dos anos 70. Quando a produção sobre os movimentos sociais cresce, ocorre o inverso com a educação popular — ela declina.
4) No exame dos princípios e métodos da educação popular encontramos várias manifestações que se fazem presentes, concretamente, nos movimentos sociais populares dos anos 80.
Enfim, os movimentos sociais populares consistiram em formas renovadas de educação popular. Eles não ocorreram através de um programa previamente estabelecido, mas através dos princípios que fundamentaram programas de educação popular, formulados por agentes institucionais determinados, tais como grupos de assessorias articulados pela Igreja católica, por partidos políticos, universidades, instituições governamentais nacionais e internacionais, sindicatos etc.
Vale ressaltar ainda que as metodologias de operacionalização destes programas foram formuladas pelos agentes assessores dos movimentos. A aplicação e difusão da metodologia desenvolveu-se a partir do trabalho de lideranças da parcela da população organizada.
Nas ciências sociais, a crítica à teoria da marginalidade foi substituída por outro objeto privilegiado de investigação — os movimentos sociais — de variadas matizes: mulheres, negros, populares de periferia, pacifistas, político-partidários, sindicais, religiosos etc.
Dentre estes, destacam-se os estudos sobre os movimentos sociais populares urbanos que são, a nosso ver, uma continuidade da produção sobre a educação popular, com uma diferença básica: não se trata mais de analisar programas mas sim de manifestações concretas produzidas por grupos organizados.
O saber popular politizado, condensado em práticas políticas participativas, torna-se uma ameaça às classes dominantes à medida que ele reivindica espaços nos aparelhos estatais, através de conselhos etc, com caráter deliberativo. Isto porque o saber popular estaria invadindo o campo de construção da teia de dominação das redes de relações sociais e da vida social. Nestes casos observa-se a tentativa freqüente de delimitar aquele poder ao aspecto consultivo porque, desta forma, legitimam-se os processos de dominação, sem colocar em risco sua estrutura e organização. Sendo apenas consultivos, os conselhos continuarão com seus problemas estruturais de base (instabilidade e isolamento) em contraposição à dinâmica da máquina estatal (lentidão, rigidez, burocratização).
O ponto fundamental de alteração que a prática cotidiana dos movimentos populares opera é na natureza das relações sociais. Não se trata de um processo apenas de aprendizagem individual, que resulta num processo de politização dos seus participantes. Esta uma de suas faces mais visíveis. Trata-se do desenvolvimento da consciência individual.
Entretanto, o resultado mais importante é dado no plano coletivo. As práticas reivindicatórias servem não apenas como indicadores das demandas e necessidades de mudanças, reorientando as políticas e os governantes em busca de legitimidade. As práticas reivindicatórias dos movimentos passam por processos de transformação, na estrutura das máquinas burocráticas estatais e nos próprios movimentos sociais. A pressão e a resistência têm como efeitos demarcarem alterações nas relações entre os agentes envolvidos, Neste sentido, o caráter educativo é duplo: para o demandatário e para o agente governamental, controlador/gestor do bem demandado.

IV - DEMANDAS SOCIAIS PELA EDUCAÇÃO NO BRASIL NOS ANOS 80
Este capítulo tem por objetivo mapear e refletir sobre o quadro da demandas da sociedade civil brasileira, na área da educação, na década de 80, através da história sócio-política e econômica do período.
Entende-se por demandas educacionais, neste tópico, o conjunto de necessidades da sociedade que demandam processos de ensino e aprendizagem. Elas podem se expressar diretamente, através de movimentos e organizações, ou indiretamente, através de necessidades que se impõem como forma de solução para os problemas que afligem a sociedade, podendo estar ou não expressas em demandas de grupos específicos.
A década de 80 tende é conhecida como a década perdida, pois perdeu-se os índices de crescimento, a produtividade agrícola e industrial, a competitividade tecnológica, etc. Mas não foi só perdas econômicas que aconteceram. Perdeu-se também qualidade de vida, com o aumento dos índices de criminalidade, poluição, doenças infantis e epidemias, com a estagnação do declínio da taxa de analfabetismo, com o aumento do número de desempregados, dos sem terra e sem teto, de assassinatos de crianças, adolescentes, líderes rurais etc.
Contudo, ocorreram ganhos no plano sócio-político. A sociedade como um todo aprendeu a se organizar e a reivindicar. Diferentes grupos sociais se organizaram para protestar contra o regime político vigente, para pedir “Diretas Já”, para ‘reivindicar aumentos salariais.
A sociedade civil voltou a ter voz. A nação voltou a se manifestar através das urnas. As mais diversas categorias profissionais se organizaram em sindicatos e associações. Grupos de pressão e grupos de intelectuais engajados se mobilizaram em função de uma nova Constituição para o país. Em suma, do ponto de vista político, a década não foi perdida. Ao contrário, ela expressou o acúmulo de forças sociais que estavam represadas até então, e que passaram a se manifestar.
Na década de 80 as demandas educacionais foram grandes e estavam articuladas com a conjuntura política que o país atravessava e com a busca de resposta (ou seu equacionamento) para problemas de ordem estrutural, gerados pelo modo e pela forma da acumulação capitalista no país.
As principais demandas foram:

I - Demandas educacionais na sociedade:
1. Educação ambiental
2. Educação sobre o patrimônio histórico cultural
3. Educação para a cidadania
4. Educação sanitária e de saúde pública
5. Educação popular
6. Educação de menores e adolescentes
7. Educação de minorias étnicas: índios
8. Educação contra discriminações: sexo, idade, cor, nacionalidade
9. Educação para deficientes
10. Educação para o trânsito e de convivência em locais públicos
11. Educação contra o uso de drogas
12. Educação sexual
13. Educação contra o uso da violência e pela segurança pública
14. Educação para geração de novas tecnologias
 
II — Demandas por educação escolar
1. Educação infantil: creches e pré-escolas
2. Ensino de lo e 2o graus
3. As demandas da Universidade
4. As demandas por novas leis educacionais do ensino
5. Ensino noturno

A educação ambiental teve duas fontes geradoras de demanda: uma de caráter preventivo e outra de caráter defensivo. A primeira, preventiva, manifestou-se através de campanhas, lutas e movimentos que proliferaram ao longo da década, voltados para a constituição de um sistema de valores e práticas destinados a natureza, a conhecer o ecossistema, a saber interagir com o meio ambiente de forma a não depredá-lo. Estas vertentes educativas também geraram ações que se constituíram em verdadeiras brigadas defensivas de resistência e de vigilância, contra os especuladores e os empresários que, em busca do lucro fácil, consomem e destroem a natureza, suas plantas, animais, rochas e riquezas minerais.
A educação ambiental de caráter defensivo manifestou-se através de ações concretas ou de campanhas que o próprio poder público teve que deflagrar em face das situações de calamidade pública. Nesta categoria encontram-se as ações realizadas em face das enchentes, inundações e secas que assolaram o país.
As políticas na área do patrimônio histórico e cultural desenvolveram-se na década de 80 a partir de secretarias e órgãos públicos criados na área da cultura. Fábricas antigas se transformaram em centros culturais, como o SESC-Pompéia em São Paulo, por exemplo. Entretanto, a preservação do patrimônio histórico já se fazia, pontualmente, graças à consciência social de alguns grupos ou beneméritos.
A educação para a cidadania foi a demanda predominante na sociedade brasileira nos anos 80. Ela esteve associada à idéia de juridização das relações sociais à medida que tomou como parâmetro aspectos relativos às leis, aos direitos, à construção de uma nova Constituição, à elaboração de leis orgânicas, planos diretores etc.
A educação popular foi uma demanda presente em vários movimentos sociais organizados. Ela se manifestava em reivindicações pelo ensino noturno, por escolas profissionalizantes etc. Entretanto, a maior fonte de expressão deste tipo de demanda não foi o sistema escolar formal mas as chamadas organizações não-formais de educação: a participação nos clubes de mães da periferia, em lulas e movimentos sociais organizados em torno de bens, equipamentos e serviços públicos e pela moradia e acesso a terra.
A educação para deficientes deixou de ser, década de 80, uma disciplina da pedagogia ou da área médica e se incorporou em práticas da sociedade brasileira. Aos poucos os deficientes físicos foram sendo tratados não como sujeitos de menor capacidade intelectual, mas como sujeitos de capacidade física com certas limitações.
A educação escolar nos anos 80 viveu momentos profundamente contraditórios. Ao mesmo tempo em que setores da sociedade civil se organizaram e demandaram verbas públicas para a educação, ensino gratuito, novas legislações, novas estruturas de carreira para os professores, novas frentes de ensino e pesquisa para a universidade, novos modelos de escola para o 1o e 2o graus, ensino noturno, educação para os deficientes físicos, educação infantil em creches e em pré-escolas, etc; a sociedade brasileira assistiu à deterioração progressiva da instituição que já não estava bem: a escola pública, em todos os seus níveis.

V - O FÓRUM NACIONAL DE DEFESA DA ESCOLA PÚBLICA (FNDEP)
O Fórum dos anos 80 surge, inicialmente, para reivindicar um projeto para a educação, como um todo não apenas para a escola (embora esta, na modalidade pública, seja o centro principal de suas atenções).
O Fórum expressava a vontade política de parcelas da intelectualidade brasileira engajada na luta pela redemocratização do país, participante do processo que alterou o regime político vigente, deslocou os militares para fora dos POStOS de comando político-administrativo, lutou por eleições diretas em todos os níveis de governo, e ajudou a reconstruir o sistema político multipartidário.
O Fórum dos anos 80 surgiu como expressão de novas formas de agregação dos interesses da sociedade civil, principalmente através da atuação de entidades, aglutinando coletivos socialmente organizados e não apenas indivíduos, pioneiros ou notáveis, como nos anos 30. ou intelectuais ilustres da universidade, como nos anos 50 (ainda que nos anos 50 tenhamos tido a participação de algumas lideranças sindicais).
A maioria das entidades que participaram da criação do Fórum era recente. Elas foram criadas no bojo da rearticulação da sociedade civil, ao final dos anos 70. Algumas tinham origem mais antiga mas foram recriadas nos anos 80, pois estavam na clandestinidade ou desarticuladas, como a UNE e a CGT. Outras expressavam fatos novos da sociedade brasileira, como o CEDES, um centro especifico, voltado para o campo da pesquisa da publicação/divulgação da área da educação.
O FNDEP apresenta uma singularidade única: é um movimento que busca preservar a atuação estatal. Mas, entenda-se, preservar cm função dos direitos da maioria dos cidadãos, preservar o Estado do desvirtuamento que ocorre em seu interior, onde as verbas públicas são apropriadas por Iobbies particulares, em função de interesses privados e não públicos. A defesa da escola pública busca resgatar o papel do Estado enquanto o agente que deve criar, defender e gerenciar os bens públicos para a coletividade e não para corporações privadas.
Na Assembléia Nacional Constituinte a defesa da educação como um direito de todo cidadão, sendo dever do Estado oferecer o Ensino gratuito e laico foi o princípio no 1o FNDEP.
Os percentuais das verbas públicas e seu destino foram a outra preocupação básica do FNDEP assim como a gestão democrática dos equipamentos escolares.
A organização cotidiana do Fórum esteve sempre centrada no trabalho individual de pessoas das instituições: que o constituíam. Suas ações eram ditadas pela dinâmica das ações parlamentares. Na fase da Constituinte, o Fórum teve um papel de vanguarda, de postulador, de propostas e direções políticas. No processo de elaboração da nova LDB este papel reduziu-se consideravelmente a partir de 1990, quando o Fórum perdeu a maioria de sua base de apoio no Parlamento.
A partir de então o Fórum deixou de ser o interlocutor privilegiado, o mediador por excelência entre os parlamentares e as demandas educativas, passando a atuar a reboque dos fatos criados por grupos e facções do Parlamento e da administração central a nível federal. Entretanto, esta constatação não diminuiu sua importância nos processos. Apenas sua dinâmica se alterou, sendo bastante determinada pelo exterior, ou seja, de certa forma o Fórum perdeu poder e a força de autodeterminação que havia conquistado no processo constituinte.
Existe, para o FNDEP, uma clara opção de que o equipamento escola seja uma obrigação estatal. E esta obrigação tem um caráter público, dada a origem das verbas que constituem materialmente o equipamento. São verbas estatais, arrecadadas através de impostos cobrados da população, portanto: públicas.
O FNDEP tem contribuído para o processo de mudança e de transformação social, à medida que. Seu objeto de luta articula-se com uma visão de mundo cujos valores estão centrados na possibilidade de existência de um cidadão pleno, com acesso à instrução, à informações, à ciência e à tecnologia.
Sabe-se que soa a educação não altera a estrutura desigual do país. Somente a legislação não tem o poder, em si, de mudar a realidade. Mas elas são elementos do processo de mudança e de transformação. Por isso o FNDEP tem um significado amplo. Ele se inscreve como protagonista de uma peça com idéias e atores novos, em busca de construção ou reconstrução de um cenário que é trágico na atual realidade brasileira.

VI – A CRISE DOS MOVIMENTOS POPULARES NOS ANOS 90
Nos anos 80, a “onda” da participação gerou muitos frutos. Eles não foram tantos de ordem material, no sentido de conquistas imediatas. Mas foram muitos no sentido de instaurar uma nova racionalidade no social: a de que o povo, os cidadãos, os moradores, as pessoas, ou qualquer outra noção ou categoria que se empregue, têm o direito de participar das questões que lhes dizem respeito. Este é o grande saldo dos anos 80, particularmente em termos de Brasil. É um saldo de ordem moral, que deverá interferir na cultura política do país no próximo século.
A crise nos movimentos sociais é parcial. Ela está instalada em certos ramos dos movimentos, mais precisamente nos de ordem popular. Os movimentos ecológicos, ao contrário, não estão em crise. Estão em ascensão. São, certamente, uma das grandes frentes de mobilização no século XXI.
A crise dos movimentos populares deve ser considerada em seus devidos termos. Primeiro, porque uma das características básicas de todo movimento social, quer popular ou não, é seu fluxo e refluxo. Eles não são instituições. Podem até se materializar em alguma organização, mas isso é uma provisoriedade. A organização pode morrer, mas a idéia geradora certamente persistirá. E esta idéia gerará o renascimento do movimento em outro contexto.
Portanto, movimentos são frutos de idéias e práticas. As práticas fluem e refluem. As idéias persistem, se transformam agregando elementos novos, ou negando velhos, segundo a conjuntura dos tempos históricos. Os movimentos são históricos e têm, embutidos uma historicidade particular. que se expressa em suas práticas, na sua composição, em suas articulações e em suas demandas.
Na realidade, a crise atual dos movimentos é o acirramento de um processo que se instaurou ao final dos anos 80, fruto de problemas que os movimentos já carregavam em seu bojo.
Algumas lideranças ou assessorias dos movimentos populares têm atribuído como causas básicas da atual crise fatores de ordem externa ao movimento, a saber: a crise econômica do país, o desemprego, as políticas neoliberais, a queda do leste europeu, a crise das utopias, a descrença na política e na ação do Estado etc. Sem dúvida, todos esses fatores têm um papel importante no cenário da crise, mas a própria compreensão deste papel passa, necessariamente, pela análise de alguns fatores internos aos movimentos.
Analisando o contexto geral e as características atuais dos movimentos populares se percebe que está ocorrendo uma volta ao passado, ao comportamento político tradicional das camadas populares: de passividade, de espera para que outros resolvam seus próprios problemas. A nova cultura política que os movimentos esboçaram no país, de luta pela participação na gestão da coisa pública, de criação de cidadãos e não mero consumidor de direitos estabelecidos foram esquecidos.
A origem e as causas do desenvolvimento da crise estão embutidas no desenrolar dos movimentos desde seus primórdios. Os fatores externos demarcam diferenças e divergências de concepções teórico-metodológicas e ideológicas entre a base do movimento, suas lideranças e assessorias, ainda que não se apresentem a estes níveis na consciência cotidiana de seus agentes.
Em síntese, o desenvolvimento da cultura política fundada na participação exige a construção de canais onde haja liberdade de expressão e pluralismo. E as assessorias e/ou alguns núcleos articulatórios que atuam junto aos movimentos populares parecem não ter exatamente essa filosofia.
A necessidade de implantar linhas e diretrizes, que não foram construídas no interior dos movimentos é incompatível com o desabrochar da vontade dos grupos e movimentos sociais.
O mesmo ocorre com a orientação igualitarista. Partir da igualdade de condicionantes econômicas, sociais e culturais, como uma favela, por exemplo, não significa que se deva buscar um desenvolvimento homogêneo ao grupo, no sentido de nivelador. A igualdade deve ser no acesso às oportunidades. Desbloquear as estruturas que delimitam e/ou impedem o acesso da população.
O desenrolar da luta será uma conquista progressiva, cheia de avanços e retrocessos. As ações para este desenrolar deverão ser estudadas e arquitetadas periodicamente, segundo os fatores que a conjuntura coloca e os interesses dos membros do grupo, e não um perfil de lutas e ações previamente demarcado, porque os demandatários são, supostamente, todos iguais.
A possibilidade da construção de identidades diferenciadas deve estar sempre presente. Mas, infelizmente, estes resultados não são generalizáveis à maioria dos movimentos populares. Ao contrário, é nos movimentos sociais compostos mais de camadas médias, os ecológicos e ambiental que encontramos as orientações de uma cultura política fundada na participação plena dos indivíduos enquanto cidadãos.

CONCLUSÕES
A questão da educação foi destacada por se constituir no grande saldo obtido nos acontecimentos assinalados. A educação se apresenta como forma de aprendizagem aos participantes dos movimentos e associações; como efeito pedagógico multiplicador das ações coletivas junto à sociedade civil e à sociedade política; e como demandas especificas na área educacional, dentro e fora da instituição escolar. Tudo isto podemos resumir com a frase: os movimentos sociais, das diferentes camadas sociais, com suas demandas, organizações. práticas e estruturas, possuem um caráter educativo, assimilável aos seus participantes e à sociedade mais ampla. Os resultados deste processo traduzem-se em modos e formas de construção da cidadania político- social brasileira.
Entretanto, a construção desta cidadania tem ocorrido nos marcos da cultura política vigente. Ainda que, em vários momentos, o que está em pauta é justamente a busca de redefinição desta cultura, introduzindo-se novas formas de pensar a questão da coisa pública e a questão dos direitos dos indivíduos e coletividades (como seres humanos e como agrupamentos até então segregados e confinados aos bolsões de subsistência e resistência), os vícios da cultura vigente perpassam as novas práticas.

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